Vitória


Joana Mota

Universidade dos Açores

Licenciatura em Educação Básica

Didática da Língua Portuguesa

2015



O mundo desabava na cabeça de Teresa, mais conhecida pela vizinhança por Terezinha. Era mãe de quatro filhos: do Miguel, da Rita, do Simão e da Margarida. Miguel, agora um jovem de 24 anos, vivia numa pequena vila. Sempre fora muito meigo, carinhoso e amigo de ajudar o próximo. Mas, como diz o povo: “No melhor pano, cai a nódoa”. E assim foi com o Miguel que se perdeu, anos antes, no mundo da droga.

 

Tudo começou quando o Miguel tinha 15 anos. Terezinha andava muito preocupada com o filho, pois nenhuma mãe quer ver um filho assim perdido. Quando Miguel mudou de escola, conheceu novos colegas, pessoas que ele facilmente considerou como sendo os seus melhores amigos.



Num dia de aulas habituais, o Miguel chegou à escola e os amigos convenceram-no a não ir às aulas, para irem todos juntos para um jardim junto à escola. No princípio o Miguel hesitou, mas acabou por ir.



Durante o caminho até ao jardim, o Miguel perguntava:

  - O que vamos fazer para esse jardim? Devíamos era ter ido para as aulas. Se a minha mãe descobre que ando a faltar às aulas fico de castigo um mês.

- A tua mãe não descobre nada. Também faltar um dia não faz mal a ninguém - exclama o Rui, um dos amigos do Miguel. 

 - Mas, afinal, ainda não respondeste à minha pergunta! O que vamos fazer ao jardim? - insiste o Miguel já meio mal disposto.

- Hoje estás bem chato! Ainda não paraste de fazer tantas perguntas. Vamos experimentar umas cenas brutais. Umas coisas novas que comprei - responde o André.

- Coisas novas!? Cenas brutais!? – interroga-se Miguel sem perceber patavina.



Chegando ao jardim, o André tira dos bolsos um cigarro meio tosco, com um aspeto de fabrico caseiro. O Miguel ficou espantando sem saber o que aquilo era. O Rui, o André e o Paulo decidiram partilhar aquilo a que chamaram de “ganza”. Convidaram o Miguel a experimentar:

- Experimenta lá, Miguel, é bom! - exclama o Paulo.

- Eu, experimentar essa porcaria!? Nem sonhes. Isso não presta! - responde o Miguel.

- Anda lá, mariquinhas, experimenta. Experimentar não quer dizer que vais ficar viciado – insiste o André.

- Tu és um mariquinhas! - dizem todos os amigos em coro. 

 O Miguel, com medo que os amigos o excluíssem do grupo, lá experimentou. Experimentou para se tornar um rapaz fixe como eles, para não ser diferente deles. E, como eles garantiram que não fazia mal, o Miguel resolveu experimentar.



E assim se tornou hábito, quase todas as semanas, o mesmo grupo faltar às aulas para fumar umas ganzas e divertirem-se, como eles diziam. Num certo dia, o Miguel notou que as ganzas já não estavam a fazer qualquer efeito sobre ele e comentou com os amigos:

- Essas ganzas já não fazem efeito nenhum, já não sinto nada.

- Pois, estou a perceber - concorda o Rui.

- Devemos experimentar cocaína. É mais caro, mas já experimentei e é muito melhor e não faz mal - explica o Paulo.

Passados alguns dias, o Paulo traz a tal novidade, a cocaína. Todos experimentaram e gostaram. Ficaram todos mais alegres, energéticos e divertidos. Semana após semana, o Miguel necessitava de consumir cocaína e mais cocaína. Aos poucos, o Miguel foi-se apercebendo que estava a tornar-se dependente daquela droga. Uma total dependência psicológica. Já o estava a preocupar não conseguir resistir àquela droga e, sobretudo, constatar que o vício estava a dominar toda a sua vida.


Passaram-se uns três anos e o Miguel continuava a consumir. A droga estava a destruir a vida dele. Abandonou a escola, não trabalhava, não fazia nada. Simplesmente vivia para a droga.




A Terezinha, a mãe do Miguel, no decorrer dos anos foi achando o comportamento do filho fora do normal e, então, interrogava-o:

- Miguel, o que se passa? Que cheiro é esse na tua roupa? Por que é que as tuas coisas estão todas manchadas de preto?

O Miguel simplesmente respondia:

- Se lhe contasse, a mãe nunca me iria perdoar e jamais me iria compreender.

- Mas conta-me, filho, só assim te posso ajudar.

Numa dessas conversas, e vendo o sofrimento da mãe, Miguel, ajoelhado, acaba por confessar que é toxicodependente, que não consegue viver um dia sequer sem consumir droga, que não consegue dormir se não consumir.

Terezinha, ao ouvir as palavras sinceras e desesperadas do filho, desata a chorar, fica em estado de choque, sem poder falar. Desesperada, sem saber como ajudar o seu filho, a mãe chora descontroladamente.


Indiferente ao sofrimento desta mãe, os dias passam e o Miguel, sem  dinheiro para comprar droga para consumir, resolve vender os seus bens. Começa por vender a sua roupa, sem a mãe saber. Vende a consola, vende os seus jogos, tudo para conseguir ter dinheiro para consumir droga.

A mãe, ao aperceber-se do que se estava a passar e ao dar por falta das roupas e dos jogos, interroga o Miguel sobre o paradeiro de tais bens. O Miguel tenta enganar a mãe, diz que deu as roupas porque já não lhe serviam, que havia emprestado os jogos, etc.  A mãe sabia que era mentira, o filho sabia que a mãe em nada acreditava, mas tentou manter o seu discurso.




Terezinha, num momento oportuno, fala abertamente com o filho. Ambos chegam à conclusão que o Miguel precisa de se libertar da toxicodependência. Mais concluem que não há outra solução a não ser um tratamento. Então, a mãe do Miguel compromete-se em procurar uma instituição que o possa tratar. O Miguel é internado.

A mãe faz de tudo para que o Miguel se sinta bem e recupere rapidamente. No princípio, tudo parecia estar a correr bem, mas, passadas três semanas, Miguel, desesperado, foge da instituição. O vício era maior do que ele e o Miguel não conseguia resistir. Fugiu e a primeira coisa que fez foi comprar droga para consumir.

A Teresa estava em casa muito preocupada sem saber do filho. Estava muito nervosa e muito chorava. Os irmãos do Miguel, já fartos das atitudes do irmão, cansados do sofrimento que o Miguel estava a causar a toda a família, resolveram ter uma conversa séria com a mãe.

- Mãe, esta situação do Miguel está a matar o nosso irmão e a destruir a nossa família – lembra a Margarida.

- A mãe está a fazer sacrifícios, a sofrer por causa dele e ele nem ajuda aceita – insiste o Simão.

-Não podemos continuar assim, mãe. Deixe-o ir à sua vida. Quando ele chegar ao fundo do poço, há-de decidir se quer acabar consigo ou se quer  viver – conclui  a Rita. – A decisão tem de ser dele!

A mãe, desorientada e surpresa com tais conversas responde:

- Meu filhos, vocês não sabem o que dizem. Quando forem pais é que vão dar o valor. Ele é meu filho, fui eu que o criei, o meu dever é ajudá-lo sempre a levantar-se.

Assim falou, com as lágrimas a caírem descontroladamente pela cara abaixo.

Teresa nunca desistiu do filho. Pagou-lhe vários tratamentos, levou o filho a diferentes médicos e especialistas em toxicodependência. Neste processo, o filho teve várias recaídas, contrariando a esperança da mãe.Ano após ano, Miguel ficava cada vez mais dependente da droga. De mais dinheiro precisava e, por isso, mais bens vendia para conseguir sobreviver. Apesar de todos os tratamentos que fez, nenhum o consegui tratar. Miguel não fazia nada todo o dia, não trabalhava. No seu mundo, só existia a droga.



Por volta dos seus 21 anos, conheceu uma rapariga, a Sara. Achava-a bonita e, passado algum tempo de conversas e saídas, os dois começaram a namorar. A Sara no início da relação não sabia que o Miguel era toxicodependente, mas, com o passar dos meses, veio a reparar em certos sinais, como, por exemplo, a mudança de humor repentina, o facto de os dedos do Miguel estarem todos sujos de preto. Corajosamente, Sara confrontou-o com o óbvio. O amor que sentia pela namorada levou-o a confessar que era consumidor de droga e que era totalmente dependente de substâncias ilícitas.

A Sara ficou apavorada e logo expressou:

- Ou abandonas a droga ou quem te abandona sou eu! Não sei o que isso é, nem quero um namorado assim. Tens que fazer um tratamento, tens que te tratar.O Miguel jurou-lhe que se ia tratar.

Passa um dia, passa uma semana, passa um mês e o Miguel sempre na mesma. A Sara, já cansada da vida que estava a levar, acabou o namoro com o Miguel.

O Miguel, desesperado pela Sara o ter deixado, passou a consumir mais droga ainda. Andava cada vez mais revoltado, já não falava com ninguém, simplesmente vivia dentro do seu mundo.



Semanas depois da Sara o ter deixado, ela vai ter com o Miguel e conta-lhe que está à espera de um filho dele. Miguel ficou supercontente, nem acreditava no que a Sara estava a dizer.Após lhe ter contando, Sara diz-lhe que o filho só vai poder conhecer o pai se ele estiver curado da droga, pois, caso contrário, o contato com o bebé  ser-lhe-á vedado. Ela própria irá tomar conta do filho sozinha.

O Miguel foi para casa e contou à mãe Teresa que ia ser pai, que a Sara estava à espera de um bebé dele. Teresa ficou muito contente e disse-lhe:

- Miguel, um filho é uma grande responsabilidade.

- Eu sei, mãe - responde o Miguel.

- E, para além de ser uma grande responsabilidade, nós como pais devemos ser um exemplo para eles. Queres que o teu filho veja em ti um exemplo, sendo tu como és hoje em dia? Queres que o teu filho seja como tu quando for maior? Queres, meu filho? - insistiu Terezinha.

- Claro que não quero, mãe, quero que ele seja saudável como eu era. Mãe, vou-me curar, vou-me tratar dessa droga pelo meu filho. Quero que ele veja em mim um exemplo a seguir, quero que o meu filho sinta orgulho em mim e não vergonha.

- É isso mesmo, Miguel, é assim que deves pensar. Trata-te e sabes que terás sempre o meu apoio - confessa Terezinha.



E assim foi. Miguel foi para uma clínica tratar-se da droga e lá esteve durante três meses. De início não foi nada fácil, mas conseguiu ultrapassar muitos dos obstáculos e, sobretudo, conseguiu ser mais forte do que o vício. Durante o seu internamento, ia recebendo a visita dos seus familiares e da Sara e, igualmente, foi acompanhando a gravidez da namorada. Passados os três meses de internamento, o Miguel saiu da clínica curado e muito feliz por saber que a gravidez da Sara estava a decorrer com normalidade.


Alguns meses depois, nasceu uma linda menina. De imediato, o médico obstetra foi alertado que se tratava da filha de um ex-toxicodependente. Esta circunstância obrigava a submeter a  criança a certos cuidados médicos.




O médico obstetra explicou à Sara e ao Miguel que, pelo facto de o Miguel ainda consumir drogas quando a bebé foi gerada, esta nasceu com dependência à substância consumida pelo pai. Para além do desmame que era preciso fazer, a criança poderia trazer consigo anomalias em diferentes órgãos, como, por exemplo, nos rins, nos olhos, no cérebro, etc.

Mais adiantou o médico que as eventuais anomalias só poderiam ser confirmadas depois da realização dos exames adequados. O obstetra explicou também que a bebé havia nascido prematuramente por ser filha de um ex-toxicodependente. O que o médico podia adiantar à partida é que a bebé nascera com peso, comprimento e perímetro cefálico abaixo da média do que é normal.

Horas depois de a bebé ter nascido, a Sara e o Miguel reparam que a bebé estava com febre e a transpirar demasiado. Estava muito agitada, chorava constantemente e ainda parecia ter entrado em convulsões. A Sara, muito preocupada, chamou de imediato o médico.  Este chegou logo depois e explicou que o que a bebé estava a ter era um crise, motivada pela carência da substância de que se tornara dependente. O obstetra ainda relembrou à Sara e ao Miguel que o recém-nascido iria realizar um tratamento que consistia no desmame da droga.

Perante o quadro clínico da bebé, o médico mandou aplicar um substituto da droga, a fim de os sintomas acalmarem.

- Com o decorrer do tratamento, iremos reduzir a dose até a criança se libertar – informou o médico. – Só nesta altura, a bebé poderá sair do hospital. 



Finalizado o tratamento, a criança e a mãe foram para casa. Antes da saída do hospital, apareceram duas senhoras que vinham com a incumbência de registar a bebé.

- Então, que nome vamos dar a esta linda menina? – pergunta uma das senhoras.

Sara olha para Miguel em busca de uma resposta. A correria fora tanta nos últimos dias que ninguém se tinha lembrado do nome. Mas, agora, que era preciso registar a criança, este surgiu como o único possível.

-Vitória será o seu nome – diz o pai Miguel, olhando para Sara, a fim de obter o seu parecer.

- Sem dúvida – concorda Sara. – Vitória assim se chamará.

De regresso a casa, a família começou a viver os dias mais lindos da sua vida. A bebé continuou a recuperar a sua saúde. Ganhou peso, cresceu e mostrou-se enérgica e feliz. Os resultados dos exames chegaram e demonstraram que todos os órgãos vitais estavam a funcionar bem. Que alívio! Quanta felicidade com estas maravilhosas notícias!

Miguel, cada vez mais próximo da sua filha e companheira, fez as pazes com os seus irmãos e  muito agradeceu à sua mãe por nunca o ter abandonado.

Vitória, Vitória! Que nunca se acabe esta história.



O presente livro foi elaborado na disciplina de Didática da Língua Portuguesa, do curso de Educação Básica, da Universidade dos Açores, no âmbito do projeto internacional "Universal Design for Learning - Teaching Portuguese Worldwide - UDL-TPW", fruto de uma parceria estabelecida entre o Center for Applied Special Technology (CAST), Universidade dos Açores, Lesley University e o Governo dos Açores. Na realização deste trabalho, colaboraram a docente da disciplina de Didática, Doutora Graça Castanho, também Diretora do UDL-TPW em Portugal, e a Mestre Helena Pinto, Coordenadora para os Açores.

 

Joana Mota

2015